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23 de Abril de 2024

A vida é frágil

Publicado por Roberto F. de Macedo
há 9 anos

Se você é brasileiro, vive no Brasil em abril de 2015 e não desfruta de privilégios, é muito provável que já tenha ouvido algum dos seus familiares, amigos ou colegas dizer que, se tivesse a oportunidade, iria embora daqui o mais depressa possível. O Brasil de hoje, dizem, é um grande lugar para você desperdiçar a sua vida.

O brasileiro não é respeitado como cidadão. O Estado não lhe fornece um mínimo de segurança individual. Sua vida, sua propriedade e seu bem-estar são ameaçados todos os dias. As chances de progresso pessoal estão cada vez mais limitadas. Quase tudo o que o governo diz é mentira. Tudo o que tem é roubado: tiram de seu bolso, em impostos, o dinheiro que você ganhou com seu trabalho, e não devolvem, em troca, os serviços que têm a obrigação de prestar.

O Tesouro Nacional transformou-se em patrimônio particular de quem manda no governo. O mérito pessoal é visto como um insulto, e a recompensa material por ele é tratada como um delito social. Quem não é descrito como “pobre” é automaticamente culpado. O Brasil é um país ruim para educar os filhos. Aqui o homem mau dorme bem.

Sabe-se o resumo dessa ópera: está na hora de trocar o Brasil por algum país civilizado do Primeiro Mundo, onde se garante o exercício da cidadania, os direitos de cada um são plenamente assegurados e os governos funcionam com eficácia, integridade e bom-senso. Qual país? Qualquer um, dentro da esfera da democracia e do bem-estar econômico.

Que tal, por exemplo, começar com a Alemanha? Ninguém pode achar nada de errado com a Alemanha. Eis aí, entre as sociedades be­m-sucedidas, um lugar onde se praticam todas, ou quase todas, as virtudes das quais o Brasil sente falta; muito melhor que isso não fica. Não se trata de um parque de diversões social. A Alemanha é um país de verdade, com 80 milhões de habitantes, uma economia de peso mundial e as dificuldades comuns a nações de grande porte; pode, portanto, ser comparada de maneira realista com outras que jogam na mesma divisão, e entrar na mira dos brasileiros hoje descontentes com o seu país.

Mas estariam eles a salvo, ali, da miserável fragilidade da vida humana? Esse é, no fundo, o maior desafio de todos – e a última notícia que vem da Alemanha é de um horror capaz de angustiar até quem vive nos recantos mais desgraçados do planeta.

É muito complicado sonhar com uma sociedade exemplar quando se descobre de repente que a sua principal companhia aérea, modelo de seriedade e de todas as virtudes em geral atribuídas à alma germânica, regulada até o menor parafuso pela majestade do grande Estado alemão, é perfeitamente capaz de entregar um avião de carreira ao comando de um doente mental que decide assassinar os 149 passageiros e tripulantes de um voo entre Barcelona e Düsseldorf, e matar-se junto com eles.

A empresa, como sempre, foi rigorosíssima na tarefa de assegurar que nenhuma das vítimas embarcasse com uma garrafinha de água mineral ou um mísero isqueiro Bic. Foi implacável na fiscalização das bagagens de mão. Em cumplicidade com os “sistemas de segurança” do aeroporto, concentrou toda a sua severidade em reprimir o perigo que são os passageiros. Também como sempre, colocou toda a sua fé na tecnologia tão superior aplicada a tudo o que faz.

Só não lhe passou pela cabeça que entre os funcionários mais importantes para a segurança de um voo – os pilotos – estivesse, em pl­ena atividade, um assassino com mania de suicídio. Afinal, uma coisa dessas não pode acontecer numa empresa alemã.

Naturalmente, como no Brasil, os responsáveis não têm culpa de nada – uma grande companhia não pode controlar a conduta de todos os seus funcionários, não é mesmo? Parece a Petrobras do petrolão.

De mais a mais, morreram apenas 150 pessoas; bebês, então, foram só dois. O que é isso, diante das estatísticas que provam a admirável segurança do transporte aéreo no Primeiro Mundo? Não é nada – a não ser, é claro, para os que ficam do lado errado da estatística. Essa gente, no caso da presente tragédia, poderia muito bem incluir brasileiros desencantados, ou quaisquer outros.

Ninguém está dizendo que Brasil e Alemanha são parecidos, porque não são; para ficar apenas no quesito homicídios, aqui são assassinadas 150 pessoas por dia, o mesmo número de mortos desse voo funesto. Mas é uma ilusão pretensiosa achar que basta viver num grande país para livrar-se da precariedade da existência humana.

Ninguém pode escapar de si próprio, e do infinito risco de estar vivo, mudando de um lugar para outro.

Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/vasto-mundo/jrguzzo-ninguem-estaasalvo-de-si-proprio...

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-vida-e-fragil/180696679

3 Comentários

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Muito bom, valeu por compartilhar suas considerações conosco.
Boa noite continuar lendo

excelente artigo. Foi uma ótima escolha compartilha-lo com nossa comunidade jurídica.
Muito obrigado. continuar lendo

Muito boa reflexão. Me permita apenas considerar que, no caso dessa tragédia recente, analisando a consequência jurídica apenas, a companhia aérea e a seguradora alemãs já sinalizaram total apoio às famílias e inclusive o valor das indenizações a serem pagas. Nos acidentes que ocorreram aqui no Brasil, os quais atuei em alguns deles, as famílias precisaram recorrer ao nosso precário e lento Poder Judiciário, para buscar o que entendiam de direito. Em suma, até mesmo no trato de tragédias, o Brasil fica pra trás, lamentavelmente. continuar lendo