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19 de Abril de 2024

Por que os EUA decidiram deixar de usar prisões privadas

Em se tratando da recente rebelião ocorrida no Brasil, o custo de preso em cadeia privada no AM é quase o dobro da média nacional

Publicado por Roberto F. de Macedo
há 7 anos

Depois de uma análise detalhada sobre condições de segurança e custos, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou na semana passada que pretende deixar de usar prisões privadas para abrigar presos sob custódia federal, em uma decisão que encerra décadas de parceria e, segundo analistas, sinaliza uma mudança histórica de postura do governo americano.

"As prisões privadas tiveram papel importante durante um período difícil, mas o tempo mostrou que têm desempenho inferior se comparadas às nossas instalações (administradas pelo governo)", disse a subsecretária de Justiça, Sally Yates, em memorando.

"Não oferecem o mesmo nível de serviços correcionais, programas e recursos, não apresentam redução significativa de custos e não mantêm o mesmo nível de segurança e proteção."

A medida atinge apenas uma pequena fração da população carcerária do país, já que somente 12% dos presos federais estão em estabelecimentos administrados por empresas, e a maioria das prisões privadas são estaduais ou locais e não serão afetadas pela mudança.

"Apesar disso, é uma importante medida simbólica e poderá contribuir com o atual debate sobre encarceramento em massa", disse à BBC Brasil o especialista em justiça criminal Marc Mauer, diretor-executivo do Sentencing Project, grupo que defende reformas no sistema de justiça criminal americano.

"O sistema de prisões privadas nos Estados Unidos cresceu tremendamente desde seu início, nos anos 1980. Este é o primeiro revés significativo em 30 anos", observa Mauer.

Agressões e contrabando

A decisão foi anunciada após a divulgação de um relatório do Office of Inspector General (divisão de fiscalização do Departamento de Justiça) que analisou como as prisões privadas são fiscalizadas, se cumprem determinados padrões de segurança e como se comparam em relação às instalações operadas pelo governo federal.

O relatório concluiu que é preciso melhorar a fiscalização e revelou que as prisões privadas registram mais casos de agressões, contrabando e motins, além de oferecerem menos serviços de reabilitação, como programas educacionais e de treinamento profissional.

O documento cita motins provocados pela má qualidade da comida e de atendimento médico e incidentes nos últimos anos que "resultaram em amplos danos a propriedade, ferimentos e a morte de um agente penitenciário".

A mudança será gradual. O Departamento de Justiça instruiu sua agência responsável pela administração do sistema federal de prisões, o Bureau of Prisons, a não renovar os contratos com empresas privadas que começarem a vencer ou, nos casos em que ainda seja necessária renovação, reduzir "substancialmente" o número de leitos previstos.

A decisão deve ser facilitada pela redução da população carcerária federal que, segundo Yates, depois de crescer cerca de 800% entre 1980 e 2013 - o que levou o governo a recorrer a prisões privadas para aliviar a superlotação -, começou a declinar.

O número de presos em unidades federais caiu de 220 mil em 2013 para menos de 195 mil atualmente - uma pequena parcela da população carcerária total nos Estados Unidos, de cerca de 2,2 milhões de pessoas, incluídas prisões estaduais e locais.

Dos 195 mil presos federais, cerca de 22 mil estão em 13 prisões privadas, localizadas nos Estados de Novo México, Oklahoma, Texas, Califórnia, Carolina do Norte, Georgia e Mississippi. Yates espera reduzir esse número para cerca de 14 mil até maio do ano que vem.

Reações

As três empresas que operam essas prisões privadas - Corrections Corporation of America (CCA), GEO Group e Management and Training Corporation (MTC) - se disseram "decepcionadas" e criticaram as conclusões do relatório e a decisão do Departamento de Justiça.

"Se fosse baseada somente no declínio da população carcerária, poderia haver alguma justificativa. Mas basear esta decisão em custos, segurança e oferta de programas é errado. Os fatos não sustentam essas alegações", diz a MTC em nota, ressaltando que as prisões privadas abrigam uma população carcerária mais homogênea, o que levaria a maior ação de gangues e, por isso, mais incidentes.

Segundo especialistas, porém, os problemas apontados no relatório não são novos. "Esses problemas já foram identificados há mais de 20 anos", afirma Mauer.

Para ele, o que mudou foi o ambiente político no país e o debate sobre justiça criminal. "Agora temos tanto liberais quanto conservadores defendendo reformas e redução da população carcerária. As lideranças políticas se sentem mais confortáveis em examinar o sistema e descrever seus problemas", salienta.

De acordo com o especialista em justiça criminal Martin Horn, professor do John Jay College of Criminal Justice e ex-chefe do departamento de correções e liberdade provisória da cidade de Nova York, há nos Estados Unidos uma crescente objeção filosófica ao conceito de prisões privadas.

"As pessoas sentem que a administração de Justiça, punição e segurança pública não deve ser algo sujeito a controle privado. E que é um modelo inerentemente falho, devido à motivação dos operadores de lucrar", disse Horn à BBC Brasil.

Histórico

Os Estados Unidos começaram a utilizar prisões privadas nos anos 1980, quando sentenças duras eram a resposta a uma onda de criminalidade no país, em meio à guerra às drogas, e fizeram a população carcerária explodir.

No início, as empresas começaram a operar prisões privadas no nível local e estadual e, a partir de meados da década de 1990, em instalações federais.

"A indústria de prisões privadas começou a se aproximar dos governos e sugerir que poderia encarcerar pessoas a um custo menor e ajudar a combater a superlotação. Mas, ao mesmo tempo, também estavam prometendo a seus acionistas que poderiam gerar lucro", observa Mauer.

Segundo Mauer, uma das maneiras de cortar custos em uma prisão é pagar salários menores e oferecer menos treinamento aos guardas, o que leva a maior rotatividade e a uma força menos experiente.

"Isso é parte do motivo pelo qual vemos relatos de problemas de segurança", salienta.

Horn ressalta que os problemas não são exclusividade das prisões privadas. "Há muitas prisões públicas que são simplesmente horríveis. E há prisões privadas que são boas", diz.

Segundo Horn, cabe ao governo fiscalizar o cumprimento dos contratos. "Nas situações em que o contrato é bem escrito e a fiscalização é rigorosa, acho que uma prisão privada pode ter bom desempenho, e há exemplos disso nos Estados Unidos e em outros países", afirma.

Brasil

As mesmas empresas que dominam o mercado americano de prisões privadas também têm atuação no exterior, administrando unidades em países como Austrália, África do Sul e Grã-Bretanha.

No Brasil, está em discussão um projeto de lei que prevê a contratação de parceria público-privada para a construção e administração de estabelecimentos penais.

Enquanto defensores afirmam que seria a solução para um sistema carcerário marcado por superlotação, instalações insalubres e ações de facções criminosas, críticos temem que a privatização possa levar a um número ainda maior de presos, sem melhorar condições ou reduzir custos.

Horn não descarta a ideia de que poderia ser uma oportunidade para melhorar as prisões brasileiras. "Por meio de parceria público-privada, o governo poderia encomendar novas construções utilizando capital privado. E a possibilidade de competição poderia criar incentivo para o sistema público melhorar", afirma.

Para Mauer, muitos dos problemas estruturais das prisões privadas nos Estados Unidos se aplicam a outros países. "É muito difícil gerar economia sem um efeito negativo sobre a segurança", destaca.

Mauer reconhece que prisões públicas também têm problemas. "Mas quando estão sob administração pública, há possibilidade de maior fiscalização, os contribuintes podem fazer cobranças", ressalta.

"Não há nada de errado em o governo trabalhar com o setor privado, mas quando estamos falando de privação de liberdade, me parece perturbador entregar essa função a quem oferece o menor preço e está buscando lucro", diz Mauer.

As empresas acabam por exigir dos governos uma cota mínima de ocupação, quer suba ou baixe a criminalidade.

A busca do máximo lucro gera casos de maus tratos e violência. Não se trata de segurança pública, ressocialização e aplicação da Lei de Execucoes Penais, mas sim de retorno, lucro aos acionistas. Chegou o momento de usar essa grande mão de obra para trabalhar e ressarcir o Estado, desde que se opte por investir dentro do país e não em Cuba, Angola, Venezuela, etc, etc., como fizeram recentes governos brasileiros.

Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-37195944

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16 Comentários

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Somente vai funcionar quando presos forem recolhidos no maximo dois em cada cela, recebendo alimentaçao na propria cela, com sistema de rodizio dos presos na hora do sol, onde raramente vao se encontrar, atraves de sistema informatizado que fara essa seleçao, levando em conta o tipo de crime praticado, reincidencia e periculosidade.Nenhum pertence pessoal deve ingressar nas celas. Presos recebem uniforme do Estado. Contato com parentes e advogados atraves de espelhos e interfone com conversas gravadas. continuar lendo

Sr.Kraus Pereira, concordo com tudo o que o senhor escreveu. E também acho que a mercantilização do Direito Penal é abominável. Desde os últimos acontecimentos nos presídios do norte do Brasil, assumi o compromisso comigo mesma de atuar para a regularização da execução penal em nosso país nas formas em que uma cidadã puder atuar. Convido o senhor a fazer o mesmo. E o autor deste artigo também. A sociedade brasileira precisa mobilizar-se e colocar essa questão como prioridade. continuar lendo

Acredito que este erro foi articulado por políticos interessados no grande filão do mercado.Sempre eles estudam uma maneira de tirar proveito próprio na criminalização organizada.Combinando com os magistrados, políticos corruptos que legislam em causa própria e os bons laranjas da organização, está pronto á receita.Quando se investiga um grande cabeça do crime organizado, vem algum desembargador ou quando cai no STF sabemos qual resultado.Liminares ou Habeas Corpus.As vezes desconfio sobre os militares, mas do jeito que está,, prefiro o retorno deles.A farra iria acabar, continuar lendo

Acredita com base no quê?
Você tem como fundamentar essa opinião? Porque, se tiver, isso dá um artigo excelente.
Não precisamos de "achismo", que já tem demais e só atrapalha.
Porém, se você tiver condições de articular esse seu posicionamento de maneira científica, eu leria um artigo, e até compraria a livro. continuar lendo

Caro Rodrigo,

Espero que estenda que não sou um doutorando em nada e muito menos em jornalismo, mas sempre me manifesto devido á diversas leituras que em meus quase 50 anos de vida enxergo um pouco fora da caixa.minhas críticas se baseiam em antigos artigos de jornalistas,investigativos independentes entre outros meios de informação.Quanto á base,prefiro que você mesmo reflita sobre os últimos acontecimentos e não precisa de "Achismo" apenas alertar para á sociedade, quanto as informações promovidas pela grande mídia são infundadas e fora da realidade.Estamos em uma mar de lama que muitos que buscam não uma meia verdade, mas escancarar de modo aberto o antro do crime organizado.Lamento não ter base científicas mas sempre contei com historiadores, cientistas,, físicos, e juristas na qual nutro admiração e respeito inclusive alguns juristas que tem suas colunas publicadas em diversos canais de comunicação.peco-lhe desculpa mas não consigo enxergar com a mesma lupa e prefiro externar minha declarações através deste espaço aberto á qualquer manifestação e crítica que se faça necessário sem ofensas as limitações pensantes de seus comentaristas. continuar lendo

Engraçado que não se pode mais comentar nada que é 'achismo'. O estudante Rodrigo Barbosa
não se deu ao trabalho de fazer comentário ao texto do articulista, mas apenas atacar José Neto. Essa é a educação moderna? continuar lendo

Em defesa de Rodrigo Barbosa

Ele não teve intenção de ofender. Ele foi ao debate, apenas. Aliás, Rodrigo, qual o fundamento científico da necessidade de fundamento científico para tudo? continuar lendo

Como o próprio nome já diz, aqui tecemos COMENTÁRIOS sobre os textos apresentados, quando se exprime uma opinião, se faz por causa do conhecimento social e até mesmo científico sobre o tema, não deixando de ser uma opinião, é claro.
O Autor nos propõe um tema, discorrendo sobre ele, vários de nós emitimos uma opinião, que podem ou não ser idênticas, isso forma o debate. continuar lendo

A ideia de que a iniciativa privada resolveria tudo é ilusória. Nem Adam Smith acreditava nisso. Ao contrário, em seu livro "A riqueza das Nações" ele aconselha a considerar com cuidado e muita desconfiança todas as sugestões dos empresários pois, obviamente, eles estão defendendo o interesse pessoal, não o público. Em economia não existe milagre. Para aumentar os lucros é preciso reduzir os custos e isso costuma ser feito com sacrifício da qualidade. Cumprir a lei de execucoes penais sairia bem mais barato para todos nós. É absurdo colocar alguém que matou outro por acaso, durante uma briga, junto com criminosos profissionais. Também é absurdo manter presos sem condenação por longos períodos ou manter preso quem já cumpriu a pena. Isso precisa acabar. Presos devem trabalhar e ser preparados para se reinserir na sociedade. Quando o Estado não cumpre as próprias leis alimenta a propaganda dos grupos criminosos contra ele. continuar lendo

"....... costuma ser feito com sacrifício da qualidade. ....", acredito que tão ou mais importante que sacrificar a qualidade é se aproveitar do mar de desempregados açoitando a pequena ilha de empregos com salários míseros, se não infames. continuar lendo

Em relação ao primeiro comentário, concordo com a necessidade de uma reestruturação no sistema prisional do Brasil, ou seja, um sistema que possa recuperar o indivíduo, resocializa-lo. O atual é uma verdadeira "faculdade" do crime, o sujeito sai igual ou pior do que entrou.
Gostaria de acrescentar uma coisa, que o detento trabalhe dentro do regime prisional para sociedade, não importa de qual forma. continuar lendo

Sim, Roberto.
Exatamente, o que penso, inseri-los em mão-de-obra para construir estradas, cultivar o próprio alimento em plantações rurais e etc.
Eles trabalham, atualmente, dentro dos presídios, a favor do crime.
Existe a pulseira eletrônica para monitorar o marginal. continuar lendo